Kenji Siratori - Cyber Sphere


Poucos escritores “bizarro” – uma das veias literárias que mais sangue reconduziu ao coração da ficção científica – conseguiram a projecção das suas visões através de uma simbiose tão transparente entre forma e conteúdo. Em Kenji Siratori não parecem existir limites entre os espaços literário e musical, e as múltiplas formas de disseminação de que se apropriou, desde a tinta sobre papel até ao código digital do mp3, revelam uma Gestalt notável quando acopladas à mensagem futurista que lhes imprime. Todos os meios são válidos para o vírus Kenji Siratori que, nos últimos anos, contaminou o meio ambiente com um espólio de detritos electrónicos cujo rasto é facilmente identificável, se bem que dificilmente assimilável na sua totalidade.

Colocando um pouco de parte a componente literária da sua produção artística, no plano musical é inevitável a sua associação à falange de músicos que exploram as infinitas arestas do ruído. Masami Akita e Yamasaki Maso são nomes que surgem inequivocamente pela proximidade sonora que aparentam, mas os mecanismos conceptuais em funcionamento no subconsciente sonoro de cada um são bastante distintos. Se em Akita encontramos referências à ecologia radical e Maso nos atormenta com um psicadelismo ultraviolento, em “Cyber Sphere” podemos não só escutar, mas também compreender, um dos conceitos fundamentais da filosofia de Siratori: “o ruído da vida”.

No filme “Eli Eli Lema Sabachtani?” (título apropriado das últimas palavras de Cristo na cruz, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”) do seu compatriota Shinji Aoyama, o espectador é catapultado para um Japão distópico, que em 2015 se encontrava a braços com a devastação absoluta e despovoação galopante provocadas pelo “lemming syndrome”. Esta doença viral que impulsionava os pobres infectados ao suicídio tinha apenas uma cura: a audição de ruído. Na improbabilidade de alguma vez sermos assolados por tamanha pestilência, “Cyber Sphere” afigura-se uma óptima panaceia.
Henrique Vicente

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